quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O amante da expressão popular

Há a figura distinta de um escritor que assume a forma de ícone literário-lingüístico, que ganha força e densidade por meio de suas obras de construção da linguagem popular. Este escritor é Jorge Amado.
Jorge Amado é um romancista que se funde dentro do próprio signo da linguagem, transformando-se em um escritor coloquial por excelência, que embora dominasse a norma culta (meio de ascensão de certa classe literária preconceituosa), não se importava com formalismos gramaticais. Amado foi o escritor mais vendido no exterior, até a chegada de Paulo Coelho, mas mesmo assim, tornou-se alvo do desdém da crítica, que o considerava um escritor de certo nível inferior.
Não se importando com a opinião dessa crítica reacionária, projeta uma literatura popular, usando gírias, provérbios, frases feitas e palavrões, como identificação do gosto e do nível culto popular. Pretendia criar uma obra que fosse de acessível leitura, não visando criar um novo estilo literário ou gênero, mas uma obra literária que representasse toda a brasilidade de uma nação e bahianidade de uma comunidade lingüística. “Escreve o povo, para o próprio povo”.
Para Eduardo de Assis Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais, o escritor incorporou a postura modernista que celebrava a língua “errada” do povo. Na verdade, Amado vai muito mais além, ele representa em suas obras, uma forma mais significante do código lingüístico brasileiro; demonstra uma linguagem carregada com todo o ideário e diversidade de uma nação diversificada em todos os ramos de sua formação cultural, social e ideológica. Cria um novo modo de encarar o indivíduo, marginalizado por seu falar impróprio, dando-lhe argumentos capazes de desmistificar todo processo de desvalorização da expressão popular.
Na visão de Jorge Amado, as palavras significam vida, assim como a literatura. Devem existir sem complicação, chegando ao povo de maneira simples e direta, com uma linguagem que personificasse o próprio povo.
Ao fazer um confronto entre a obra de Guimarães Rosa e a de Jorge Amado, no primeiro a vida e a criação, estava no campo das palavras, enquanto que no segundo, o foco está na criação de uma sociedade utópica, sem preconceitos e hierarquias, incluindo as palavras. Traduz uma linguagem do dia-a-dia, mesmo quando era acusado de usar “uma linguagem descuidada”. Para muitos críticos,ele deveria usar a gramática tradicional, grande mãe e protetora da raça humana. No entanto, Amado teve personalidade forte e nunca permitiu que seus romances fossem corrigidos e enquadrados nas normas gramaticais. Sua proposta era romper com todo o enlaçamento preconceituoso da gramática.
Prova disso são suas personagens que trazem em seu corpus, todas as particularidades lingüísticas e fonéticas em seus diferentes contextos. Por isso, Gildeci de Oliveira Leite, que coordena o Dicionário Cultural Amadiano, o classifica como “um antropólogo da ficção”. Uma das expressões criadas por Jorge Amado, que é bem interessante é “rebucetê”, que significa confusão, briga ou algazarra.
Essa simplicidade e plasticidade da linguagem de Amado, facilita a transposição de suas obras para a televisão, teatro e cinema. Por isso a linguagem em Amado é considerada carregada de significado, tátil e sedutora.
Jorge Amado é mais um dos grandes militantes que buscam anular de vez todo o estigma do preconceito lingüístico que circunda a mentalidade literária de uma elite retrógrada e jurássica.

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